Um voo bem acima das leis
Engenharia financeira faz a venda da TAM à chilena LAN parecer uma fusão
Uma excepcional engenharia jurídica e financeira. Assim pode ser definida a operação arquitetada para driblar a lei brasileira, que restringe a participação de estrangeiros nas companhias aéreas nacionais, e assegurar a venda da TAM para a chilena LAN. A fusão entre as duas empresas, anunciadas na sexta-feira 13, provocou reações entusiasmadas no mercado, mas dividiu especialistas sobre a legalidade do negócio e o futuro da aviação comercial no Brasil.
Formalmente, TAM e LAN vão continuar a operar individualmente, com estruturas administrativas e jurídicas próprias. Os chilenos vão adquirir apenas 20% do capital votante da TAM, limite estabelecido pela legislação. Os demais 80% ficarão nas mãos dos atuais controladores. Contudo, a TAM passará a fazer parte de uma nova holding, a Latam Airlines Group, com sede em Santiago. A LAN terá 70,6% das ações da nova empresa. A TAM, 29,3%.
O acordo estabelece ainda que a TAM, com ações negociadas nas Bolsas de São Paulo e Nova York, feche seu capital. Seus acionistas receberão uma oferta para trocar os papéis atuais por ações da Latam, que terá suas ações listadas em Santiago e Nova York. As famílias Cueto, com 24% das ações, e Amaro, com 13,5%, serão os controladores da Latam. Apesar da diferença, o documento assinado prevê que as duas famílias terão pesos iguais no conselho de administração.
Analistas do mercado financeiro e veí-culos internacionais não hesitaram em tratar a operação como uma venda. No sábado 14, a agência Bloomberg anunciava que a LAN "aceitou comprar a TAM em uma transação de 3,7 bilhões de dólares". Tal convicção fez com que os bônus da dívida da TAM registrassem forte valorização após o anúncio do negócio. A aposta é de que a Latam vai assumir os títulos emitidos pela companhia brasileira.
Os presidentes da TAM Linhas Aéreas, Líbano Barroso, e da TAM S.A., Marco Antonio Bologna, negaram que o acordo seja uma venda ou mesmo uma fusão. Tampouco pode ser considerado um simples acordo operacional, o que as duas companhias já compartilham. "Juridicamente falando, trata-se de uma combinação", afirmou Barroso durante apresentação a um grupo de analistas e investidores, na terça-feira 17. "Combinação" é uma figura jurídica estranha mesmo ao mundo dos negócios, afeito a termos exóticos.
Para Paulo Sampaio, consultor da Multiplan, a confusão deliberada sobre a operação não tem outro objetivo se não o de driblar o Código Brasileiro da Aeronáutica, que limita a 20% a participação de estrangeiros em companhias aéreas nacionais. "Não há nenhuma dúvida de que a TAM foi vendida", afirma Sampaio. A aposta da LAN, e de outras companhias aéreas de olho no mercado brasileiro, é de que a legislação seja alterada em breve. Um projeto que aumenta o teto para 49% já foi aprovado no Senado e está em discussão na Câmara dos Deputados.
A Latam será um gigante com faturamento de 8,5 bilhões de dólares, serviços para 115 destinos em 23 países e mais de 40 mil funcionários. Será, de longe, a maior companhia aérea da América Latina, tanto em receita quanto em número de passageiros transportados (45,8 milhões ao ano). A Gol, segunda colocada, fatura 3,5 bilhões de dólares e transportou 28,4 milhões de passageiros em 2009. Além disso, a Latam nasce como a terceira- maior -companhia aérea do mundo -em -valor -de mercado (12,2 bilhões de dólares), superada apenas pela Air China e a Singapore Airlines, que são estatais. Em compensação, a companhia será apenas a 11º do mundo em número de passageiros.
Com a liberalização do mercado aeroportuário global (que conta com a simpatia da Agência Nacional de Avião Civil), acredita-se que o transporte internacional de passageiros será concentrado na mão de poucas empresas em alguns anos. "É melhor ter uma transnacional sul-americana do que esperar a chegada dos americanos ou europeus", argumentou Bologna, ao defender a "combinação".
Sampaio, da Multiplan, refuta o que chama de "visão globalizadora" e sustenta que o negócio é nocivo aos interesses do Brasil. "Em qualquer lugar do mundo, a empresa aérea é ponta de lança da política comercial e estratégica do país. A TAM, que praticamente detém o monopólio das linhas internacionais e 54% do mercado doméstico, está para ser entregue a um país com políticas externas e comerciais muito diferentes das brasileiras." O consultor afirma ainda que o negócio desequilibra a concorrência no mercado brasileiro e sul-americano e alerta para o risco de que se estabeleça, no futuro, um monopólio da Latam na região. "A parceria é desastrosa para nós. Como Gol, Azul e Webjet vão competir com uma potência como essa?"
Embora seja menor que a TAM em todos os aspectos, a LAN possui um valor de mercado três vezes maior da companhia brasileira, que opera com níveis de endividamento substancialmente mais altos. A TAM não estava em situação delicada, mas fechou o primeiro semestre no vermelho e não tinha perspectiva de pagar dividendos aos acionistas no curto prazo - mesmo sendo uma das empresas do setor que mais cresceram em volume de vendas em todo o mundo em 2009. Para Faustino Pereira, presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas, o fato pede uma reflexão. "Como um país que tem dimensões continentais, um volume de passageiros nove vezes maior do que o chileno e uma economia que caminha para ser a quinta maior do mundo não consegue possuir uma companhia aérea saudável, capaz de se manter no mercado por um longo período?", pergunta.
Segundo Sampaio, a competição desenfreada por novos passageiros compromete as margens o lucro do setor. Segundo dados da consultoria Mckinsey, o volume de passageiros nos aeroportos brasileiros cresceu 59% entre 2003 e 2008. Em compensação, os preços das passagens caíram, em média, 48% no período. "As empresas entraram em uma disputa tarifária perigosa. De 2008 para cá, a participação de mercado da TAM e da Gol caiu 12 pontos, de 93% para 81%, com a chegada de novas empresas. Para o consumidor, é uma maravilha. Para as empresas, não é interessante", explica Sampaio. "A LAN tem quase o monopólio do mercado chileno e pode operar com margens mais folgadas. Além disso, se beneficia de impostos mais baixos e é muito bem administrada". Com a criação da Latam, pondera, a concorrência acirrada pode estar com os dias contatos.
Gerson Freitas Jr.
fonte: Carta Capital
A entrega do mercado de transporte aereo brasileiro
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