Uma hora tem 60 minutos e um minuto soma 60 segundos.
Certo? Nem sempre.
O tempo passa mais depressa em um filme bom do que em um filme chato. O mês passa mais rápido quando é dia de pagar aluguel de novo e mais devagar quando se espera o salário.
Mas há um local onde definitivamente o tempo caminha em passos lentos, apesar de se estar a 900km/h: o avião. Nem é preciso experimentar a desagradável sensação de permanecer 14 ou 15 horas dentro de uma caixa metálica, como nos vôos Dubai-São Paulo ou Tel Aviv-São Paulo. Um tiro de 12 horas, como um retorno de Frankfurt ou Amsterdã, já é suficiente.
As companhias aéreas bem que tentam fazer de tudo para acelerar o tempo, mas na prática as medidas são inúteis. O avião decola, por cerca de 20 minutos os passageiros ainda estão presos aos cintos de segurança. Depois começa o festival de tentativas dos comissários. Um aperitivo. Ah, um aperitivo. Champanha ou uma taça de vinho tinto, acompanhado por salgadinhos de origem desconhecida e gosto igualmente incerto. Queijo? Batata? Bacon? Difícil dizer.
Bem, a função já consome 30 minutos. Meia hora de reflexão sobre a viagem que há pela frente, sobre a baixa qualidade do vinho e sobre o que fazer nas próximas 11 longas horas. Agora vem o almoço. Não importa a hora, sempre é servida uma refeição - almoço ou jantar - quando o tempo de vôo chega a uma hora. Certamente será hora de comer na origem ou no destino. E se não for hora de comida nem na origem nem no destino evite perguntar para a aeromoça. Ela só cumpre regras.
Depois do almoço - e do intragável café solúvel - há 20 minutos de um programa certo: a fila do banheiro. Avião transatlântico que se preze tem menos banheiros do que deveria ter. Aquele cubículo claustrofóbico que invariavelmente está sujo e cheirando mal. O humorista Jô Soares já disse que todos os passageiros sabem o que um gordo foi fazer no banheiro de um avião. É que pelo reduzido tamanho do local, o gordo deve entrar já em posições definitivas: de frente ou de costas.
Agora sim, não há mais nada a fazer pelas próximas, digamos 5 horas - até o próximo lanche. Com fones desconfortáveis nos ouvidos uma boa opção é ver um filme, mas lembre: com a tela tão pequena não há filmes legendados em aviões. Opte pelo idioma original - com risco de não entender o que se fala - ou por uma dublagem grosseira. Isso se o filme interessar, já que a grande maioria se trata de fitas muito comerciais - romances ternurinha ou monstros do futuro. Se não houver nada interessante na telinha, há sempre uma série de estações de rádio. Só não exija uma boa programação. Quem mandou esquecer o iPod?
A companhia aérea tem um desejo secreto: ela quer que você durma. Durma muito. E não chateie os comissários pedindo água. Não importa se você dormiu muito bem em uma cama e não está com sono. Quanto mais tempo você estiver dormindo mais rápido vai passar a viagem. E menos tempo terá para se dar conta do inferno que é passar 12 horas dentro de uma avião, sem possibilidade de simplesmente descer na próxima parada.
Chega a hora do lanche. Parece omelete, mas tem gosto de papel. E o salgadinho é.. bem, deixe para lá. Melhor nem provar o salgadinho, muito menos tentar entender do que é feito. Mais um suco?
É bom estar sem sede, uma vez que vem aí o carrinho de free-shop com produtos sem impostos. É verdade que o preço é muito mais alto que nas lojas, mas pelo menos é sem impostos. OK, você pegou no sono, por absoluta falta de opções. Quando o sonho de estar chegando em terra firme começa a aparecer na sua cabeça você é invariavelmente acordado. Ou é a senhora da cadeira ao lado que deseja ir ao banheiro, ou é o comissário distribuindo as guias de alfândega, "que deverão estar preenchidas ao desembarcar", ele repete.
Uma turbulência aqui, um bebê chorando ali, agora falta pouco. Mais alguns minutos - que demoram a passar - e estaremos em Guarulhos.
Mas calma: o tráfego aéreo está infernal nos arredores de São Paulo. Vai ser preciso paciência. Mais paciência. E paciência é tudo o que você teve até agora.
"Tripulação, preparar para o pouso" é a senha. A felicidade está próxima.
Ufa, acabou. Mais algumas filas - a do passaporte, a de pegar as malas, a de passar pela alfândega, a do táxi - e o tempo vai voltar ao normal. Uma hora terá outra vez 60 minutos. Mas epa: olha o engarrafamento da Marginal!
FONTE:Terra Magazine por Eduardo Tessler De Porto Alegre (RS)