Uma placa de titânio com 40 centímetros de comprimento pôs fim aos voos comerciais supersónicos, quando o Concorde que realizava o voo 4590 da Air France para Nova Iorque se despenhou após a descolagem do aeroporto Charles de Gaulle, embatendo num pequeno hotel na cidade de Gonesse, nos arredores de Paris. Estávamos a 25 de Julho de 2000 e a frota Concorde tinha ainda pela frente, pelo menos, mais cinco a dez anos de vida útil.
"Estão a arder, a parte traseira do avião está a arder", gritara momentos antes um controlador de voo do Charles de Gaulle. "Estão a arder, mas não tenho a certeza que seja do motor", exclama em seguida. O seu tom de voz anuncia os acontecimentos seguintes: a queda do avião, a morte das 109 pessoas a bordo, mais quatro no solo.
Era o fim trágico de um sonho nascido 50 anos antes, quando a possibilidade de voos supersónicos povoava o imaginário da época. Embora o derradeiro voo de um Concorde tivesse ocorrido em Outubro de 2003 (com bilhetes a ultrapassarem os 7500 euros à cotação actual), com os 113 mortos da tragédia de Gonesse morria também a carreira de um avião que, até então, não tivera qualquer acidente.
Os voos foram retomados em Julho de 2001, realizando-se até 2003, quando a Air France (AF) e a British Airways (BA) - as companhias que operavam o aparelho - invocaram razões económicas para a suspensão dos voos. Essencialmente, as brutais imagens do acidente de Gonesse na memória das pessoas e o 11 de Setembro aceleraram o fim do Concorde. O avião que atravessava os céus à velocidade Mach 2, ou seja duas vezes superior à velocidade do som.
Estabelecidas as responsabilidades num julgamento que terminou no final de Maio, mas cuja sentença só será conhecida em Dezembro, algumas entidades britânicas e franceses apostam em devolver o Concorde aos céus a tempo da cerimónia de abertura das Olimpíadas de Londres em 2012.
Se assim for, terão passado 36 anos desde aquele 21 de Janeiro de 1976 quando se realizou o primeiro voo comercial do Concorde, entre Heathrow, em Londres, e o aeroporto do Bahrain. O primeiro voo para os EUA - rota que se iria tornar um emblema para o aparelho, operando a BA para Nova Iorque e a AF para Washington - realizou-se em Novembro de 1977, para Nova Iorque. "A uma média de 37 quilómetros por minuto e uma altitude duas vezes superior ao Evereste [ou seja, mais de 16 mil metros]", proclamava um folheto distribuído a bordo. Ou, mais de dois mil quilómetros por hora.
O pedaço de titânio caído na pista, oriundo de um "tradicional" McDonnell Douglas DC-10 da Continental Airlines (a companhia sustentou no julgamento que o fogo se declarou no Concorde antes de os pneus se romperem em contacto com a placa), ao pôr fim à carreira de um dos dois únicos aparelhos supersónicos comerciais (ver texto), abriu um debate sobre um avião que alguns consideravam já anacrónico. Estava previs- to para 2005-10 a substituição da frotas de aparelhos em uso quando se deu o acidente de Gonesse.
Outros consideravam-no um luxo desnecessário: o Concorde ligava as duas margens do Atlântico em três horas, mas transportando apenas cem passageiros, enquanto um aparelho subsónico levava o triplo, em sete horas. O custo do bilhete era inversamente proporcional à duração da viagem.
Se a travessia do Atlântico era rápida, o processo que permitiu a sua concretização foi lento. Começou a ser preparado em 1962, quando a francesa Aérospatiale e a britânica British Aircraft Corporation assinaram um convénio para a construção de dois protótipos em 1965, após os Governos de Londres e Paris terem celebrado um acordo para o desenvolvimento de um avião de passageiros supersónico.
Após quatro anos de testes em terra, o protótipo francês levantou voo a 2 de Março de 1969; será ainda este protótipo o primeiro Concorde a alcançar velocidades supersónicas, a 1 de Outubro daquele ano. Ao todo, os dois protótipos realizaram mais de cinco mil horas de voo a velocidade supersónica no período de testes.
Um projecto americano semelhante, o Boeing 2707 foi cancelado pouco depois dos primeiros voos supersónicos com su- cesso do aparelho franco-britânico.
O Concorde foi inicialmente interdito de sobrevoar os EUA devido ao ruído produzido ao atingir velocidades supersónicas e originou muitos debates em torno de questões ambientais. Tão ou mais intenso quanto o que se desenvolveu na opinião pública de França e da Grã-Bretanha sobre o seu nome de baptismo, com ou sem "e" final. Esta vogal irá permanecer como sinónimo de "entente", referência a acordo e à aliança franco-britânica na Grande Guerra.
A atribulada existência do "Concordski" soviético
'tupolev'
O TU-144 foi primeiro avião comercial supersónico a levantar voo, a 31 de Dezembro de 1968, antecipando-se ao Concorde em dois meses. A este sucesso, ainda que a velocidade subsónica, vão suceder-se uma série de atribulações e dois acidentes. O primeiro, em Junho de 1973, durante o grande certame de Le Bourget, em França e o segundo, em Maio de 1978, num voo comercial entre Moscovo e o Casaquistão. Semelhante exteriormente ao Concorde - dai a designação Concordski - era considerado tecnologi-camente menos sofisticado. Os voos foram suspensos após o acidente de 1978.
Curiosamente, a NASA assinou um acordo com a Tupolev em 1995 com o objectivo de relançar o projecto do TU-144. Ainda que tenha sido abandonado a breve trecho, sem quaisquer resultado práticos, nalguns meios da indústria aeronáutica foi sugerido que o real objectivo americano era o de obter conhecimentos na área dos voos comerciais supersónicos, sector em que todos os projectos até então ou tinham sido cancelados ou não passaram do estado de protótipos.
No total, foram construídos 16 TU-144.
Mais longe, mais rápido e mais ecológico
Futuro
Não faltam projectos para novos aviões supersónicos, aproveitando-se dos enormes avanços em matéria tecnológica verificados desde a época do Concorde. Projectos a que foi acrescentada a preocupação ecológica. Um destes projectos é parceria entre a NASA e a Lockheed Martin conhecida como a Supersonic Green Machine (A Máquina Ecológica Supersónica) em que a aerodinâmica foi estudada para reduzir o ruído à passagem para a velocidade supersónica e aumentar a eficácia energética.
Outro projecto em desenvolvimento é o A2, este na Europa, a cargo da Agência Europeia Espacial. O objecto é criar um aparelho com capacidade para 300 passageiros e de alcançar cinco vezes a velocidade do som (Mach 5), ou cinco mil quilómetros por hora, "capaz de viajar entre Bruxelas e Sydney em menos de seis horas", referia na passada semana um dos responsáveis do projecto.
A eficiência energética está também no centro de um projecto de-senvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology, o N+3, com capacidade para 350 passageiros, que poderia reduzir até 70% o consumo de combustível e até 75% as emissões de gases poluidores. O N+3 voaria, contudo, a velocidade subsónica.
Fonte:Diário de Notícias - Lisboa