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O voo alto da Azul


David Neeleman, presidente da companhia aérea Azul, quer transformá-la na maior do País nos próximos dez anos. Ele conta à DINHEIRO como mais que duplicou o faturamento em um ano, para R$ 4 bilhões, e detalha sua estratégia para desbancar a TAM e a Gol.

A rotina se repete, religiosamente, uma vez por semana. Toda segunda-feira à noite, o presidente da Azul Linhas Aéreas, David Neeleman, se despede de sua mulher, Vicki, e de seus nove filhos, na pacata cidade de Nova Canaan, no Estado americano de Connecticut, e parte para o aeroporto JFK, em Nova York, onde embarca rumo ao Brasil. No dia seguinte, pela manhã, se reúne com os principais executivos de sua companhia aérea, na sede da empresa, em Barueri, na Grande São Paulo, para fazer um balanço dos negócios na semana que passou e definir as estratégias para os próximos dias. Às quintas-feiras, o empresário filho de missionários mórmons, nascido e criado no Brasil até os 6 anos de idade, faz o caminho inverso para os Estados Unidos, de volta à sua confortável mansão de 13 mil m², com oito quartos, avaliada em mais de US$ 17 milhões.

O intenso vaivém de Neeleman tem, segundo ele, um único objetivo: construir a maior companhia área do Brasil nos próximos dez anos. “Queremos crescer, transportar mais passageiros a cada dia e, claro, ganhar dinheiro”, afirmou o empresário, em entrevista exclusiva à DINHEIRO, em São Paulo. “Ser a maior companhia aérea do País em menos de dez anos será uma consequência.” Por trás dessa ambição, está a essência do jeito Neeleman de fazer negócios. Para os mórmons, a riqueza e a prosperidade financeira são vistas como bênçãos, o que nem sempre ocorre em outras religiões. Seu foco é a nova classe média e suas viagens pelos rincões do Brasil. 
 
“Não tenho nenhum receio em dizer que nossa ambição é consolidar a Azul em um mercado ainda elitizado, em que voar de avião é visto pela maioria da população como um privilégio de gente rica”, diz Neeleman. “Quando o governo e as agências reguladoras conseguirem enxergar com clareza o potencial do mercado brasileiro, e os aviões levarem desenvolvimento a lugares que hoje estão praticamente isolados, haverá uma grande mudança no perfil econômico do País. Quero participar disso”, afirma o empresário. Esse potencial já começa a se expressar nos números da Azul, companhia aérea focada em rotas regionais. Depois de unir suas operações com a Trip, uma empresa com o mesmo perfil, a Azul passou a responder por uma fatia de 15% do mercado aéreo do País. 
 
Tem uma frota de 115 aviões e 33% de todas as rotas locais. Depois de transportar 12 milhões de pessoas no ano passado, a Azul já levou 20 milhões neste ano, até setembro. Cerca de 80% desses clientes são novos consumidores, que nunca haviam voado antes. Neste ano, a empresa espera obter um faturamento de R$ 4 bilhões, cifra duas vezes maior que o R$ 1,72 bilhão obtido no ano passado – que já havia dobrado em relação aos R$ 871,1 milhões de 2010. A empresa, de capital fechado, não revela o balanço completo. Mas a DINHEIRO apurou que o azul está tomando o lugar do vermelho nas demonstrações contábeis. Em 2011, a Azul obteve seu primeiro lucro operacional desde que começou a voar pelos céus brasileiros. 
 
Os últimos balanços, divulgados em agosto, mostram um ganho de R$ 25,1 milhões. É pouco, mas significa muito diante dos prejuízos operacionais de R$ 50,8 milhões, em 2010; de R$ 142,8 milhões, em 2009; e de R$ 36,3 milhões, em 2008. A expectativa de lucro líquido (após os impostos) em 2012 é de R$ 52 milhões, dos quais cerca de R$ 19 milhões provenientes da Trip. “Estamos cumprindo a nossa parte e fazendo da Azul não apenas uma grande companhia aérea, mas a mais eficiente do setor aéreo”, diz Neeleman. Para 2013, a expectativa é de que o faturamento fique entre R$ 4,5 bilhões e R$ 5 bilhões, um feito admirável em um setor que tem vivido mais tristezas do que alegrias. 

Qual o segredo da multiplicação dos resultados? “Elaboramos um modelo de negócio, uma fórmula própria para o Brasil, em que somos os únicos e que tem dado muito certo”, revela Neeleman. Essa fórmula brasileira, desenvolvida por Neeleman durante suas idas e vindas ao País, se inspirou no bem-sucedido modelo de negócio da americana JetBlue, empresa fundada por ele em 1999, que chegou a ser a mais valiosa dos Estados Unidos no início dos anos 2000. A estratégia se baseia, principalmente, na otimização dos custos. A começar pela frota. Todos os aviões da Azul são jatos produzidos pela Embraer, modelos E190 e E195, ou aeronaves da fabricante franco-italiana ATR 72-200 e o 72-600 – turboélices que consomem até 40% menos combustível em relação aos grandes jatos da Boeing e da Embraer, e apropriados para voos de até 700 quilômetros de distância e para pousos em aeroportos de pistas curtas. 
 
No caso das aeronaves da Embraer, que têm autonomia de até 4,5 horas de voo, o suficiente para ligar Porto Alegre a Manaus, o consumo de combustível é 24% menor em comparação ao de um Airbus A320, segundo a fabricante de São José dos Campos. Um voo de Guarulhos para Brasília, por exemplo, queima 3.921 litros de querosene no modelo A320, enquanto o E190, da Embraer, gasta 2.980 litros para fazer o mesmo trajeto. Em cifras, a diferença média é de R$ 1.780. “Num mercado em que o querosene de aviação representa de 38% a 45% do custo total de uma empresa aérea, mais economia de combustível e manutenção são diferenciais que fazem toda diferença”, afirma Mauro Reis, especialista em aviação comercial, do Instituto do Ar da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro. 
 
Além de mais econômicos, os aviões são mais baratos. Enquanto os jatos Embraer custam de US$ 30 milhões a US$ 38 milhões, e os ATR em torno de US$ 20 milhões, os Airbus e Boeing valem até US$ 65 milhões. Embora tenham capacidade para transportar um número menor de passageiros do que a Gol e a TAM (até 118 pessoas, no caso dos jatos Embraer, contra 174 dos modelos 737-700 e A320 das concorrentes), os aviões da frota da Azul têm uma taxa de ocupação maior do que as rivais. Com isso, Neeleman garante uma rentabilidade maior por voo. O índice de utilização dos assentos da companhia é de 84%, contra uma média nacional de 75,5%, calculada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). 
 
No final do ano passado, essa diferença era ainda maior: 85,5% na Azul, contra 68,7% da média das companhias brasileiras em rotas domésticas. Na prática, isso significa que os jatos da Azul transportam, em média, 99 passageiros por voo (com 19 cadeiras vagas), enquanto as aeronaves maiores, com capacidade para 35 pessoas a mais, voam com 39 assentos desocupados. “Esse cálculo só é uma vantagem enquanto a taxa de ocupação das concorrentes for menor”, disse Reis. “Pode se tornar uma desvantagem, no futuro, se TAM, Gol e Avianca, com aviões que comportam mais passageiros, conseguirem lotar seus voos, algo que não aconteceu ainda.” Outro ponto fundamental na cartilha de Neeleman para o mercado brasileiro é o tempo que as aeronaves se mantêm no ar. 

Segundo o empresário, a frota da companhia passa 14 horas por dia voando, em média, graças a uma malha muito pulverizada, focada em voos regionais. Existem, por exemplo, voos sem escala de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, a Sinop, em Mato Grosso, além de centenas de outras rotas em que a companhia opera sem concorrência. “Um jato nosso que sai de Campinas, no interior paulista, a principal base operacional da empresa, rumo a Fortaleza, por exemplo, pode pingar em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e outros aeroportos menores, mantendo o avião cheio e por mais tempo em operação”, detalha Neeleman. 
 
O modelo de operação da Azul não apenas a destaca entre as companhias aéreas brasileiras como também serve inspiração para várias companhias lá fora. Segundo a Embraer, as 14 horas diárias de voo de cada avião fazem da Azul a número 1 em eficiência de utilização das 900 aeronaves em operação em todo o mundo, à frente das 11 horas médias da Austral, da Argentina, e das 10 horas da Air Canada. “Não existe avião melhor ou pior do que o outro, mas existe avião adequado para cada tipo de operação, algo que o Neeleman sabe administrar como poucos”, diz Luiz Sérgio Chiessi, diretor de inteligência de mercado de aviação da Embraer. 
 
“O grande segredo da Azul está na operação de aviões menores em rotas regionais, de menor densidade, enquanto a Gol e a TAM precisam voar em trechos de grande demanda para manter os aviões cheios.”Estar focada em voos regionais, no entanto, é algo que exige da Azul um exercício constante de ajustes das rotas aéreas – algo que, frequentemente, gera problemas com os clientes que já compram suas passagens. Para evitar que trechos onde não há demanda canibalizem a rentabilidade das rotas lucrativas, a companhia não hesita em cancelar voos a menos de uma semana da data da viagem. É o que ocorreu na última semana, por exemplo, com um voo da madrugada que partia de Campinas, no interior paulista, maior base operacional da empresa, para Ilhéus, na Bahia. 

“As companhias estão atacando em várias frentes para otimizar suas operações, seja com ajustes em suas rotas menos rentáveis e com um número menor de funcionários, seja com a redução dos custos operacionais nos aeroportos”, diz o diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas Públicas em Transporte Aéreo (Cepta) Respício do Espírito Santo. “Esses ajustes podem gerar atritos.” Apesar disso, a Azul tem índice de reclamação por atrasos, cancelamentos e mau atendimento menor do que as concorrentes. Em outubro, segundo a Secretaria da Justiça e Defesa do Consumidor, a empresa de Neeleman registrou um índice de reclamações de 6%, atrás das líderes TAM e Gol, com 10% e 7%, respectivamente. 

Além disso, a empresa tem investido em alguns, digamos, mimos para conquistar clientes. A última decisão foi a instalação de sistema de tevê ao vivo, em parceria com a Sky, tecnologia que custou R$ 100 milhões à Azul. A empresa instalou antenas especiais em seus aviões para captar o sinal de um satélite posicionado no Hemisfério Norte, tornando-se a primeira companhia aérea da Amé­rica Latina a oferecer esse serviço. De volta à questão dos custos operacionais, a Azul tem a seu favor também a menor despesa com mão de obra. Em razão do número menor de passageiros por voo, são utilizados dois comissários por avião, além dos pilotos. Nos jatos de maior porte, seriam necessários de três a cinco comissários. 
 
O número de funcionários dentro dos voos, um comissário para cada 50 assentos, é um requisito de segurança para certificação da aeronave e está sujeito à fiscalização da Anac. O crescimento da Azul não ocorre apenas por mérito próprio, mas também pelas dificuldades das concorrentes de um setor que cruza céus turbulentos. As líderes TAM e Gol têm encolhido suas operações. A TAM, líder do mercado brasileiro, cortará funcionários a partir de fevereiro, reduzindo também em 7% a oferta de assentos e diminuindo a frota atual de 115 aviões para 112. No segundo trimestre deste ano, a empresa teve prejuízo de R$ 928 milhões. Já a Gol, pilotada pelo executivo Paulo Kakinoff desde junho, teve prejuízo de R$ 715 milhões no segundo trimestre. 
 
No caso das duas companhias, os fatores que levaram às perdas são os mesmos: a variação cambial, que encarece o combustível (houve desvalorização de 23% do real em relação ao dólar em 2012), e a alta do querosene. Este subiu, em reais, 33% desde janeiro. Segundo o presidente da TAM, Marco Antonio Bologna, a manobra que a empresa rascunha para 2013 faz parte de um processo de ajuste no mercado doméstico e de melhorias de seus modelos de gestão. “A ordem é dar maior racionalidade à empresa e aprimoramento da disciplina de capacidade”, disse Bologna à DINHEIRO. Traduzindo: colocar o máximo de passageiros por voo, priorizando as rotas mais rentáveis. Ele não teme a concorrência. 
 
“Somos a maior empresa aérea do País, com a maior capacidade de transporte de passageiros e a melhor tecnologia de gestão, que continuará sendo aperfeiçoada a cada dia.” O contra-ataque de Bologna, ao que tudo indica, começará na tentativa de ampliar o índice de ocupação de seus voos, atualmente em 78%. “Temos, sim, um custo maior por trecho em comparação às companhias que operam com aviões de pequeno porte, mas nosso custo por passageiro é proporcionalmente menor”, afirma. Ele nem cogita seguir o modelo da Azul. “Empresa que não gosta de gastar combustível não pode entrar na aviação”, cutuca o presidente da TAM. “Nossa frota é composta por aviões de longo curso e continuaremos focados nesses trechos, enquanto os aviões menores, como os ATR, são apropriados para rotas muito curtas, onde não nos interessa operar”. 
 
Procurado pela DINHEIRO, Kakinoff, da Gol, não deu entrevista. A batalha das companhias aéreas para reduzir custos e aumentar o índice de ocupação dos voos tende a beneficiar o consumidor, que terá à disposição cada vez mais promoções. No primeiro semestre, a tarifa média em voos nacionais ficou em R$ 272,64, valor 36,2% menor em comparação ao cobrado dez anos atrás – quando a tarifa custava R$ 427,16, segundo a Anac. Para encher seus aviões e se manter mais tempo voando, as companhias lançaram descontos para o fim de ano com passagens a preço de ônibus – um voo da Azul, de Campinas para o Rio de Janeiro, está R$ 75,90, preço semelhante ao cobrado por TAM e Gol. Mais do que uma oportunidade para quem pretende viajar, a disputa entre as companhias, mais acirrada com o crescimento da Azul, prenuncia algo de novo nos céus. 

“Três não é demais”
 
Apesar do forte aumento de custos, Neeleman afirma que a saída para o setor é popularizar a viagem de avião.

O presidente da Gol, Paulo Kakinoff, disse recentemente que considera três empresas aéreas demais para o mercado brasileiro. O sr. concorda? 
De forma alguma. Em nenhum mercado do mundo três são demais. Ele não deve achar isso de verdade. Quem acha que três é demais, precisa sair. Nós não vamos. Todo o setor está enfrentando um forte aumento de custos, é verdade. O combustível subiu. O dólar subiu. A concorrência também está maior, achatando as margens. A taxa de aeronavegabilidade, cobrada pelo governo, foi reajustada em 150% no início deste ano e será aumentada em mais 83%, em janeiro de 2013. 
 
Mas o governo acabou de anunciar uma desoneração para o setor aéreo.
A elevação da taxa representará um gasto de R$ 150 milhões a mais por ano, algo incompatível com o discurso de desoneração do governo federal. A desoneração da folha de pagamento, que recebemos muito bem e que entra em vigor em janeiro, nos dará uma economia de R$ 50 milhões. Ou seja, o governo deu 50 e tirou 150.
 
A fusão com a Trip não amortecerá o impacto do aumento de custo?
Em parte, sim. Teremos um ganho de R$ 450 milhões em sinergia assim que as duas empresas estiveram com a união totalmente concretizada.
 
O sr. pensa em comprar alguma concorrente, como a Gol ou a Avianca?
Mesmo que eu quisesse, a Anac não permitiria. Mas, até onde eu sei, elas não estão à venda. A TAM está com a chilena LAN. A Gol acabou de concluir a aquisição da Webjet. Embora as duas estejam em situação mais crítica que a nossa, operando no vermelho, não manifestaram o interesse de vender algo. Já a Avianca possui um número restrito de rotas, é pequena, e atua com aviões que não estão em nosso perfil operacional. Ouvi dizer, inclusive, que a Avianca está interessada em comprar a portuguesa TAP. 
 
Quando a Azul começará a voar para fora do País?
Isso está em nossos planos, mas não para colocar em prática agora. Nossa meta é fazer a Azul crescer no País, se consolidar como a maior e mais eficiente empresa área do País. Essa é nossa prioridade. 
 
O sr. pretende abrir o capital da Azul para capitalizar a empresa e sustentar os planos de crescimento?
Sim, faremos a abertura de capital. Mas não é o momento. O mercado de ações ainda está contaminado pela crise lá fora. Quando percebermos que é um bom momento, faremos isso. 
 
O modelo de negócio da Azul é igual ao da JetBlue? 
Antes de criar a Azul, quatro anos atrás, eu já havia fundado outras duas companhias que atuam no mercado aéreo nos Estados Unidos: a Morris Air, vendida à Southwest Airlines por US$ 20 milhões, em 1993, e a JetBlue, em 1999. A Azul segue um modelo semelhante ao da JetBlue, mas não é idêntico porque o mercado brasileiro é muito diferente do mercado americano.
 
Melhor ou pior?
É diferente. Algumas coisas que acontecem aqui são mais difíceis de entender. Vou dar um exemplo. Nós poderíamos operar no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, mas não somos autorizados. Depois do acidente da TAM, 2007, o número médio de voos no aeroporto foi reduzido de 50 para 34 por dia. O aeroporto de La Guardia, em Nova York, tem pista menor do que a de Congonhas e opera 70 voos por dia.


As informações são"IstoÉ Dinheiro Por Hugo CILO".Sempre é citado o link de referência.

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